sábado, 20 de setembro de 2014

UMA NO CRAVO, OUTRA NA FERRADURA.

OS MILITARES FINALMENTE ADMITEM AS ATROCIDADES DOS ANOS DE CHUMBO

A notícia é de Eliane Cantanhêde e está na edição deste sábado, 20, da Folha de S. Paulo (a íntegra pode ser acessada aqui):

"O ministro da Defesa, Celso Amorim, encaminhou nesta sexta-feira (19) à Comissão Nacional da Verdade (CNV) ofícios das três Forças Armadas admitindo, pela primeira vez, que não têm condições de negar a ocorrência de graves violações aos direitos humanos em instalações militares durante a ditadura.

Conforme a Folha apurou, o Comando da Aeronáutica afirma não ter elementos para contestar que houve graves violações nem o reconhecimento da responsabilidade do Estado, e o da Marinha alega que não tem provas para negar nem confirmar as violações apontadas pela CNV.

O ofício do Comando do Exército não contradiz os dados de violações fornecidos pela comissão, alegando que não seria pertinente contestar decisões já tomadas pelo Estado brasileiro (que já reconheceu a existência de torturas e mortes no período) nem as circunstâncias configuradas em lei neste sentido.

Foi uma referência à lei que concedeu indenização às vítimas e às famílias de mortos e desaparecidos e à que criou a Comissão da Anistia.

Na avaliação da Defesa, é um passo importante a mais no processo de reconhecimento público, pelas três Forças, de que houve torturas e mortes durante aquele regime e que o Estado brasileiro tem responsabilidade pelo ocorrido. A área civil dos sucessivos governos já reconhece essa realidade há anos.

...Em documento a subordinados em fevereiro, o general Enzo Peri, comandante do Exército, proibira que unidades militares dessem informações sobre crimes ou violências em suas dependências. No texto, Peri ordenou que qualquer informação referente ao tema só deveria ser respondida pelo gabinete".

RESUMO DA OPERETA

Antes tarde do que nunca e apesar das reticências que utilizaram para não darem o braço totalmente a torcer ("não seria pertinente contestar", etc.), os comandantes militares insubmissos foram colocados no seu devido lugar.  Sob vara, tiveram de atualizar seus calendários, reconhecendo que estamos em pleno século 21 e não na tenebrosa década de 1970. Alvíssaras!

Mas, não nos empolguemos em demasia. É bom lembrarmos que a resposta ultrajante dos fardados à Comissão Nacional da Verdade, negando os assassinatos e torturas dos anos de chumbo, data de 17 de junho; e que o ofício de 25/02/2014 do comandante do Exército, general Enzo Peri, proibindo os oficiais de colaborarem com as investigações da Comissão da Verdade e orientando-os a repassarem os pedidos e questionários para seu gabinete,  só se tornou conhecido quando O Globo noticiou, em 22 de agosto, caso contrário o estaríamos ignorando até hoje.

Nos dois casos, impunha-se uma resposta imediata, que restabelecesse o respeito à hierarquia. Afinal, como  o próprio Comando do Exército agora reconhece, o Estado brasileiro já dera seu posicionamento definitivo sobre tais crimes. Fico me indagando se não foi o fato de estarmos num ano eleitoral que evitou os habituais panos quentes...

Quem ousou cutucar tal ferida, como o Luiz Cláudio Cunha e eu, deveria agora ter sua coerência reconhecida: não é calando para evitar constrangimentos ao governo, mas sim botando a boca no trombone, que se consegue direcionar os acontecimentos no sentido correto.

Em tempo: desde a primeira insubordinação dos comandantes militares, em agosto de 2007 (vide aqui), tenho me posicionado contra a contemporização e várias vezes afirmei que os altos oficiais blefavam, pois atualmente não conseguiriam arrastar as tropas para aventuras golpistas. Agora ficou provado que eu estive certo durante todo esse tempo.


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DILMA IGNORA QUE A FUNÇÃO DA IMPRENSA É, SIM, FAZER INVESTIGAÇÃO!


"Não reconheço na revista veja, nem em nenhum outro órgão de imprensa o status que tem a Polícia Federal, o Ministério Público e o Supremo. Não é função da imprensa fazer investigação."

O disparate acima pegaria mal até na boca de um subcarimbador interino. Quando provém de uma presidenta da República, é simplesmente estarrecedor.

Jamais aplaudirei as armações ilimitadas da imprensa golpista para manipular eleições, estimular prisões, assassinar reputações, etc. O vazamento de supostas acusações feitas por Paulo Roberto Costa em seu depoimento de delator premiado à Polícia Federal foi altamente negativo, sob todos os aspectos. 

Ainda mais por não termos como aquilatar se pecadilhos estão sendo colocados no mesmo plano de pecados mortais, se quem está sendo denunciado é o que teria cometido delitos mais graves, se quem está sendo poupado não os cometeu também, etc. As possibilidades de manipulação são infinitas.

Bernstein e Woodward erraram ao "fazer investigação"?
Mas, enquanto governos mentirem desbragada e desavergonhadamente como fazem na atualidade, a imprensa tem, sim, a função de fazer investigação, tentando obter informações que deveriam estar disponíveis para o cidadão comum, mas não estão.

Será que a presidenta apagou da memória a enorme contribuição dada pela imprensa na investigação dos crimes da ditadura militar? Ousaria a Dilma afirmar que, nesses episódios, a imprensa estava errada em tentar averiguar o que realmente ocorrera e a Polícia Federal, o Ministério Público e o STF não conseguiam ou não queriam esclarecer? 

E o Caso Watergate? E o esquema de espionagem exposto pelo Wikileaks, atingindo até a própria presidenta, não deveria ter sido investigado por quem não estava oficialmente autorizado a o fazer?

Não, Dilma, a luta pela transparência continuará sendo vital enquanto não extirparmos os abusos de poder por parte das autoridades de todos os escalões. E nada indica que estejamos próximos deste objetivo.

Até lá, mais vale que cada um procure cumprir o melhor que puder seu papel: 
  • a imprensa, tentando descobrir o que os governos preferem manter em segredo; e
  • os governos, tentando evitar que seus segredos vazem. 
Quando a imprensa agir de forma irresponsável, prejudicando inquéritos, injustiçando personagens, fabricando booms, derrubando cotações com base em falsidades, etc., há caminhos legais para que os culpados sejam punidos. O que não se pode é pretender controlar a imprensa como um todo, não reconhecendo à veja e a "nenhum outro órgão de imprensa" o direito de investigar, por conta própria e com as ferramentas do jornalismo, o que estiver sendo investigado noutra ótica pela PF, os promotores e o STF. 

Uma das facetas mais assustadoras de Dilma é sua incapacidade de refletir sobre tais questões com uma visão abrangente. Como os mais tacanhos torcedores de futebol, ela só leva em conta se o seu time foi prejudicado ou beneficiado. Deveria ter aprendido há muito que precisamos sempre buscar o equilíbrio, criando e aplicando regras satisfatórias em todos os (ou, pelo menos, na maioria dos) casos, não as que melhor convenham a nossos interesses específicos num determinado caso. 

Muitos companheiros poderiam ter sido salvos da morte e de suplícios dantescos caso a imprensa não estivesse sendo censurada e intimidada pela ditadura militar. E, mesmo sob o pior terrorismo de estado que o Brasil já conheceu, houve bravos jornalistas que correram o risco de investigar o que aqueles governos queriam manter sob sigilo extremo e eterno. 

Por mais que deploremos as práticas jornalísticas da veja, nós, os veteranos da resistência à ditadura, somos os últimos de quem se possam aceitar declarações autoritárias como a que Dilma deu. Terá esquecido tão completamente tudo que viveu e sofreu? 

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