Os signatários do Manifesto por uma Comissão da Verdade digna do nome prometem lutar "até o fim para que sejam alterados diversos dispositivos deletérios" do projeto de lei respectivo.
Da forma como está, dizem, "terá como resultado uma Comissão Nacional da Verdade enfraquecida, incapaz de revelar à sociedade os crimes da ditadura militar", uma vez que:
"O texto atual do projeto estreita a margem de atuação da Comissão, dando-lhe poderes legais diminutos, fixando um pequeno número de integrantes, negando-lhe orçamento próprio; desvia o foco de sua atuação ao fixar em 42 anos o período a ser investigado (de 1946 a 1988!), extrapolando assim em duas décadas a já extensa duração da Ditadura Militar; permite que militares e integrantes de órgãos de segurança sejam designados membros da Comissão, o que é inaceitável.
Além disso, o texto atual do PL 7.376/2010 impede que a Comissão investigue as responsabilidades pelas atrocidades cometidas e envie as devidas conclusões às autoridades competentes, para que estas promovam a justiça".
Já o Manifesto de Artistas e Intelectuais em apoio à Comissão da Verdade, anterior, ressaltou que "ainda não podemos celebrar a democracia se não tivermos pleno conhecimento das violações cometidas nesse passado tão recente", dai manifestar "a esperança de que os parlamentares possibilitem à atual e às futuras gerações o conhecimento desses fatos, para sabermos a verdadeira verdade... única forma de garantirmos que isso nunca mais aconteça".
Como não fui consultado pelos articuladores de um e de outro, sinto-me à vontade para propor uma terceira via.
Não cabe uma adesão incondicional ao texto que está sendo negociado com as bancadas direitistas no Congresso, nem uma rejeição prematura e extremada da Comissão, qualificando-a de "uma farsa e um engodo" caso não sejam mudados vários dispositivos.
O fato é que a correlação de forças NOS TRÊS PODERES nunca foi favorável a que realmente se passasse a ditadura a limpo, REVOGANDO A ANISTIA DE 1979 como primeiro e fundamental passo para que os torturadores fossem levados aos tribunais.
Tarso Genro e Paulo Vannuchi bem que tentaram, mas a maioria do ministério de Lula ficou contra, o Congresso Nacional se omitiu e a mais alta corte do País considerou válido o habeas corpus preventivo que os déspotas e seus esbirros concederam a si próprios.
Isto para não falarmos no chamado quarto poder, a imprensa, que chegou ao cúmulo de minimizar aquele festival de horrores, qualificando-o de ditabranda.
Não estivesse a atual presidente da República determinada a fazer com que a palavra final do Estado brasileiro seja menos inconclusiva, sairíamos de mão abanando, sem sequer o pouco que estamos em vias de obter.
A decisão exemplar da Corte Interamericana de Direitos Humanos tem enorme significado moral, mas, quanto aos efeitos práticos, haveria forma de a contornar -- sempre há. Devemos dar a Dilma o que é de Dilma -- o mérito por, coerentemente com sua história de vida, estar jogando todo seu peso presidencial na viabilização da Comissão da Verdade.
Então, não é o caso de torpedearmos um colegiado que foi o resultado mais significativo colhido em quatro anos de árduas batalhas, desde o lançamento do livro Direito à Memória e à Verdade; mas sim de tudo fazermos para que ele não venha a ser "incapaz de revelar à sociedade os crimes da ditadura militar".
Lembrem-se da República de Weimar: atacada pelos nazistas à direita e pelos comunistas à esquerda, a democracia alemã soçobrou. Mas, como a esquerda havia superestimado suas forças e subestimado a dos inimigos, quando os moderados saíram de cena quem venceu o braço de ferro foi Hitler.
Erro terrível dos comunistas alemães facilitou a chegada de Hitler ao poder |
Não devemos repetir tal erro. Temos, sim, de lutar para que o texto definitivo da lei que cria a Comissão seja o melhor possível; e continuarmos lutando por nossos objetivos dentro da Comissão, pois é lá que tudo realmente se decidirá.
Sete membros e catorze assessores podem fazer muito em dois anos, com ou sem o orçamento ideal.
Não há tantos e tão significativos crimes para se investigar no período entre as duas ditaduras, de forma que este capítulo acabará sendo secundário, sem tirar a ênfase do principal.
Se haverá viúvas ou discípulos da ditadura na Comissão, a equanimidade manda que também haja antigos resistentes, apesar da tentativa do DEM de os excluir. Quem terá melhores argumentos para convencer os demais? Vamos supor um debate entre Jair Bolsonaro e Eduardo Suplicy, qual deles conquistaria a simpatia dos homens de bem que estivessem assistindo?
Quanto à punição dos torturadores, não é a Comissão da Verdade o real empecilho, mas sim a decisão do STF, que teria de ser revertida. Trata-se de uma luta complementar, não de parte desta luta.
Aqueles que tentam empurrar Dilma para um confronto de Poderes, dando à direita (que ainda não se recuperou do nocaute na última eleição presidencial) uma forte bandeira para se reagrupar e sair da toca, deveriam refletir um pouco sobre Weimar.
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