CHORAR SOBRE O LEITE
DERRAMADO
Laerte Braga
Por ocasião da CPI do Mensalão o deputado José Carlos
Aleluia, do então PFL, afirmou de forma enfática não acreditar que José Dirceu,
à época ministro chefe do Gabinete Civil, tivesse praticado ato de corrupção em
benefício próprio. Aleluia deixou claro que Dirceu era um político que jamais
tiraria proveito em benefício próprio de qualquer cargo que ocupasse, mas citou
a “causa”, como sendo o fator que gerou o mensalão.
Dirceu foi vítima de sua própria estratégia. Da obsessão de
eleger Lula presidente a qualquer preço e esse preço começou a ficar impagável
quando o candidato, em 2002, quis dar mostras de “responsabilidade” para os
brasileiros, ao se comprometer com a carta de intenções do governo FHC junto ao
Fundo Monetário Internacional.
O governo estava falido, liquidado, bastaria mostrar essa
realidade que os brasileiros compreenderiam, a maioria tinha ciência do
fracasso do ex-presidente, das mistificações tucanas.
Num País como o nosso são interessantes algumas
contradições. A maioria dos brasileiros considera que bancos e governos
internacionais saqueiam o País, mas votam em políticas que são ligados a bancos
e governos internacionais. Lula quando assinou o documento quis apenas dizer
que ia continuar aceitando a chantagem do Fundo Monetário Internacional, do
Banco Mundial, de governos e organizações financeiras em várias partes do mundo
(EUA e Europa).
Esse procedimento levou o título de “candidato responsável”.
Entendeu, equivocadamente, que o momento não era de concessões, mas de ruptura
e essa percepção passiva dos brasileiros se transformaria em indignação com
FHC. Estava latente.
O preço dessa irresponsabilidade de ter caído na armadilha
das elites políticas e econômicas, no cinismo de FHC, se materializa na decisão
do STF (Supremo Tribunal Federal) condenando desde Dirceu e Genoíno a outras
figuras de destaque no PT (Partido dos Trabalhadores). Sete dos onze ministros da suprema corte
foram indicados por Lula (cinco) e Dilma (dois).
Lula imaginou que seria possível governar formando alianças
com elites políticas e econômicas podres e depois de oito anos de um governo
que, entre outras coisas, protagonizou um processo de desmanche do Brasil e o
maior escândalo de corrupção de toda a nossa história, o golpe branco da
reeleição.
Tancredo Neves costumava dizer que não se entra numa luta
para perder, com consciência da derrota antecipada. Ou se garante o empate, no
mínimo, ou a vitória. Lula entrou no escuro e amarrado numa carta de intenções
que hoje se percebe com clareza (muitos perceberam à época) foi uma das mais
perfeitas armadilhas do neoliberalismo.
Os dois mandatos que exerceu, o fez na corda bamba e enfrentando
sucessivas tentativas de golpes dos mais variados matizes. Sobreviveu seja por seu
carisma, seja pelas políticas assistencialistas que acabaram primeiro
viabilizando sua reeleição e num segundo momento permitindo a eleição de Dilma
Roussef.
De lá para cá a descida da ladeira é uma realidade e a
decisão do STF de julgar o caso do mensalão em cima de provas tênues ou
indícios, o que cria sempre o benefício da dúvida e essa favorece aos réus, soa
como golpe, a guilhotina pronta a cortar cabeças e todos de olhos postos nas
eleições de 2014.
Tudo menos Lula são os propósitos das elites que governam o
Brasil faz séculos.
E Lula nem é um homem de esquerda, ou um revolucionário.
Sequer conseguiu ser reformista. Moldou o seu governo dentro das estruturas
seculares do coronelismo político e no modelo traçado por FHC, aquele que
Brizola dizia que “veio de longe”.
O secretário geral do PCB – Partido Comunista Brasileiro –
Ivan Pinheiro definiu com precisão os períodos presidenciais do ex-presidente:
“capitalismo a brasileira”. Lembra a frase do jurista Sobral Pinto dita a um
coronel da ditadura que falou sobre “democracia a brasileira”. Como respondeu
Sobral, “democracia não é como peru, não existe a brasileira. Ou é democracia
ou não é”.
Capitalismo não existe a brasileira, ou é capitalismo ou não
é.
Lula manteve intocado o desenho neoliberal de FHC, pior,
aprofundou-o em vários setores da economia brasileira e acreditou, por exemplo,
como acredita Dilma, que Eike Batista está preocupado com o Brasil ou com os
brasileiros. São meros detalhes no que o empresário chama de “kit de
felicidade” ao referir-se ao pacote de meses atrás da presidente Dilma Roussef
sobre “concessões” de bens públicos à iniciativa privada.
O ex-presidente, antes mesmo de sua posse, recebeu sugestões
de vários líderes do PT, seu partido, dentre eles o seu principal mentor
político, o extraordinário Chico Oliveira, sobre como escapar da armadilha
neoliberal sem provocar reações que pudessem colocar em risco seu mandato.
Desprezou a todas. Seguiu a cabeça “lógica” de Dirceu,
acreditando que Roberto Jeferson, um homem da ditadura militar, que nasceu
politicamente na ditadura militar, pudesse vir a ser um “aliado confiável”.
O que todos queriam, os tais “aliados” era a manutenção do
esquema de compra e venda do governo FHC. Manteve e o resultado está aí. FHC
impune e a campanha de desmoralização do ex-presidente e seu partido em curso
acelerado, seja pela mídia podre, seja pela incompetência do PT e Lula. Não
percebeu ainda o tamanho da armadilha e se debate preso às garras dessa
armadilha na suposição que vencendo, se vencer, as eleições para a prefeitura
de São Paulo tudo está resolvido. Pode até ser. Mas dentro do modelo, sem mudar
uma vírgula sequer do modelo e ampliando as políticas neoliberais de
privatização e concentração de renda, um abismo entre a classe trabalhadora, a
própria classe média (iludida por celulares que só faltam falar se é que já não
falam).
O clube de amigos e inimigos cordiais. O faz de conta da
política brasileira. De um mundo institucional falido.
A velha imagem de ligar a seta para a esquerda e virar o
carro à direita. Caso do tratado de livre comércio assinado com Israel. Um
cavalo de Tróia que o complexo político, econômico e terrorista ISRAEL/EUA
TERRORISMO S/A fez entrar em
nosso País e hoje começa a fechar o cerco do que foi iniciado
no governo FHC em torno dos setores estratégicos da economia brasileira.
Somos um País imenso, com dimensões continentais, mas somos
um País manco. Capazes de gerar tecnologias de ponta indispensáveis no mundo
contemporâneo, capazes de nos transformarmos em potência de verdade e não de
ilusão, mas estamos abrindo mão dessas potencialidades.
O sucateamento da indústria nacional, os absurdos de um
código florestal ao sabor dos interesses de latifundiários, o controle que o
sistema financeiro exerce sobre o Banco Central e o Ministério da Fazenda (a
ponto do ministro Guido Mantecca afirmar que se o Brasil disponibilizar 10% do
PIB para a educação quebra), todo o processo político e econômico que vem nos
transformando de País líder da América Latina em parte do Plano Grande
Colômbia.
Vamos a reboque de uma locomotiva onde os maquinistas já
perceberam que Lula e Dilma não vão mudar o rumo. Nem diminuem a velocidade.
Nossas universidades (professores por extensão, óbvio)
públicas transformadas em sucata, os hospitais universitários a ponto de serem
privatizados na falácia de uma empresa estatal de direito privado (caminho para
a privatização), os serviços públicos em franco desmanche (são servidores
públicos que materializam os direitos básicos dos trabalhadores, da população)
e dependentes nas tecnologias essenciais. Caso, para citar um exemplo, da
EMBRAER (EMPRESA BRASILEIRA DE AERONÁUTICA). Ou dos arsenais da Marinha de
Guerra.
Nem o governo Lula e nem o governo Dilma investem no Brasil.
Aceitaram passivamente a realidade neoliberal e sobrevivem no populismo de
programas assistencialistas que já começam a se perder e a encontrar becos sem
saída. Em Pernambuco onde o PT tomou uma surra, ou no Amazonas, onde Arthur
Virgílio renasce de escombros políticos/eleitorais numa ressurreição que nunca
se podia imaginar.
E olha que os adversários são FHC. José Serra, Aécio Neves,
contumazes corruptos, ou o governador Geraldo Alckmin, num estado onde a
violência acorda, caminha e deita impune e brutal como sempre.
O fracasso é de Lula e do PT. Das alianças “mágicas” com as
classes dominantes. Da falta de perspectiva revolucionária do ex-presidente e
do partido.
Já sabiam que o STF julgaria da forma que julgou e nem iria
ou irá se preocupar com a privataria tucana. Nem a Corte e nem o Procurador
Geral.
É o clube de amigos e inimigos cordiais e Lula agora, entra
pela porta dos fundos, onde até um provável retorno, ou uma reeleição de Dilma,
não muda e não altera nada. A ordem dos fatores capitalistas se mantém intacta
e o produto vai ser sempre o mesmo.
Que a decisão, ou decisões do STF, se constituiu num golpe
ninguém tem dúvida. Mas Gilmar Mendes, por exemplo, poderia estar fora da Corte
desde episódios sobejamente conhecidos de corrupção. Lula preferiu ir conversar
com ele num encontro arranjado por Nelson Jobim, figura chave de FHC para o
processo de privatizações.
Merece ir para o canto da sala e por lá ficar por horas a
fio com o chapéu de burro. Não adianta chorar sobre o leite derramado.
Essa luta de mudanças vai ser construída pelas forças
populares e nas ruas. O mundo institucional está falido. E Lula ou Dilma teimam
em jogar o jogo dessa turma. Logo...
... Mais que nunca as forças populares precisam se mostrar
diferentes do PT e do ex-presidente, de Dilma, pois no afã de manter o domínio
real sobre o Brasil, jogam a todos no mesmo cesto. São diferentes, pelo menos
algumas.
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