quarta-feira, 15 de outubro de 2014

DEBATE DE CANDIDATOS-PRODUTO É A QUINTESSÊNCIA DA CHATICE

Certa vez, no auge de Hollywood, um grande escritor foi convidado a criar o roteiro de um filme. Como não estivesse familiarizado com a chamada sétima arte, pediu para os produtores lhe mostrarem uma fita que desse boa noção de sua tarefa. Foi, começou a assistir... e logo saiu correndo, horrorizado com a mediocridade do cinema comercial. 

É o que tenho vontade de fazer sempre que acompanho um debate eleitoral da era dos candidatos-produto, exaustivamente adestrados por uma legião de marqueteiros para darem as respostas que melhor cumpram a função de bajular eleitores, a partir das conclusões tiradas de toneladas de pesquisas qualitativas sobre as reações dos vários segmentos da população a cada tema. 

Que saudades dos tempos em que não havia pacote pronto nem staff todo-poderoso, em que ainda se desbravavam os caminhos e aconteciam situações realmente pitorescas, como estas:
  • quando Richard Nixon foi ao confronto decisivo contra John Kennedy com a barba por fazer. Mais do que os argumentos, o eleitorado dos EUA comparou o garboso Kennedy ao mal-encarado Nixon, com os resultados conhecidos;
  • quando um deputado dos mais obesos, querendo entregar alguns papéis a Jânio Quadros no ar, foi se arrastando pelo chão com seu corpanzil de urso, por baixo do ângulo captado pelas câmeras... sem imaginar que, maldosamente, elas se voltariam na sua direção, expondo a todos os telespectadores o ato de puxa-saquismo explícito;
  • quando Franco Montoro, aproveitando a vantagem de ser sua a última intervenção do debate, acusou Jânio Quadros de torpeza (havia sido vítima da ditadura e estava mancomunado com os antigos perseguidores), deixando o homem da vassoura à beira de um ataque de nervos, pois suas tentativas furibundas de retrucar eram bloqueadas pelo mediador;
    • quando o jornalista Boris Casoy perguntou a Fernando Henrique Cardoso se ele acreditava em Deus e FHC se queixou de que haviam combinado não tocar nesse assunto, deixando a impressão de que ele evitava admitir sua condição de ateu (muitos analistas acreditaram ser este o motivo da surpreendente virada de Jânio Quadros, na enésima hora);
    • quando Brizola e Maluf perderam as estribeiras e ficaram se xingando no ar. "Filhote da ditadura!", repetiu várias vezes o gaúcho, enquanto o outro respondia: "Desequilibrado! Desequilibrado! Passou 15 anos no estrangeiro e não aprendeu nada!";
    • quando Lula teve um apagão no debate decisivo com Collor e reagiu com apatia aos ataques do inimigo, não contestando sequer a afirmação de que seu aparelho de som era melhor que o do ricaço das Alagoas (já ouvi dizerem que se tratou de uma armadilha evitada: a espionagem do Collor teria obtido um recibo de compra de aparelho de som caro, constrangedor para Lula);
    • quando o mesmo Collor, tentando voltar à tona depois de expelido do poder, foi escalado para formular uma questão ao folclórico Enéas Carneiro e, depois de pensar um pouco, desistiu: "Fale qualquer coisa aí!". Enéas gastou seu tempo criticando o próprio Collor, que esnobou de novo o adversário, desprezando a chance da réplica: "Pode continuar!".
    Hoje tudo é mais previsível, os escorregões são menos frequentes e os candidatos para cargos importantes estão bem escolados nas técnicas da embromation. O tédio impera, a chatice é insuportável.

    EXAUSTOS, AMBOS ENTOARAM 
    VÁRIAS VEZES A MESMA LADAINHA...

    No debate entre a presidenta Dilma Rousseff  e o senador Aécio Neves na Band, o que saiu do script foi a primeira ter dado uma ligeira travada (lembrou o filme 8 mile), recompondo-se depois de angustiantes segundos de branco; a exaustão física e mental que se notava em ambos, a ponto de entoarem várias vezes a mesma ladainha (Aécio invocando seu índice de aprovação quando deixou o governo de MG, Dilma aludindo ao Pronatec umas 30 vezes, como vitrola quebrada de outrora); pelo mesmo motivo, a falta de articulação que mostravam em alguns momentos, perdendo o fio da meada e enveredando, para disfarçar, por assuntos sem ligação nenhuma com o que estavam falando; os erros crassos de concordância que cometiam quando exaltavam as excelências... da educação!

    Pior mesmo foi o medo de chutar o balde, mesmo quando a verdade pegaria muito melhor do que as desculpas esfarrapadas.

    Ao invés de sustentar (e ninguém acreditar) que nada houve de errado na construção do aeroporto de Cláudio, Aécio poderia ter dito que o custo de R$ 13,4 milhões, ou R$ 17,9 milhões corrigidos, foi uma merreca na comparação, p. ex., com o propinoduto, em que um personagem do escalão intermediário do esquema mafioso admitiu um ganho ilícito de R$ 70 milhões (é quanto vai devolver aos cofres públicos, mas, se alguém acreditar que o Paulo Roberto Costa abocanhou só isto, pode passar na secretaria e retirar seu diploma de otário...).

    Quanto ao Pronatec, nenhum político ousará lembrar que as empresas, para disporem dos quadros técnicos que lhes são imprescindíveis, sempre os formaram por si mesmas quando o governo não investia nesta área. Então, a menina dos olhos da Dilma é um programa que transferiu para a União parte dos custos que os Senais da vida bancavam sozinhos. Os capitalistas agradecem. 

    E que dizer da insistência de Dilma em insinuar que quem não apoiou a CPMF, aquele famigerado imposto do cheque, foi um sabotador da Saúde? Contribuição introduzida emergencialmente e que foi sendo eternizada à base de subterfúgios, servia (como os pedágios das rodovias) para o Estado espertamente poupar verbas que eram desviadas/desperdiçadas alhures. Terminou da forma mais melancólica possível, com rejeição acachapante e sob suspiros aliviados dos cidadãos, os quais detestavam ser extorquidos por um tributo travestido em contribuição provisória.  

    O festival de escândalos que assola o País e as evidências gritantes de parasitismo e esbanjamentos na administração pública são evidências mais do que suficientes de que não faltariam verbas para a Educação, a Saúde, a humanização do transporte coletivo e outras prioridades verdadeiras, se os recursos existentes não fossem drenados pela politicalha. Afinal, a carga tributária brasileira é das mais elevadas e não pára de crescer, como se constata aqui.

    De resto, o debate foi parelho nas escaramuças entre ambos. No entanto, o Aécio levou a vantagem de ir ao encontro do que o homem comum está sentindo: a economia estagnou e a inflação voltou. Ele martelou isto ad nauseam, sem que a Dilma, coitada!, tivesse como retrucar de forma convincente. Contra fatos não há argumentos.

    Ainda não caiu, para a campanha da Dilma, a ficha de que o eleitorado não quer MAIS DO MESMO, Quer, isto sim, MAIS DO QUE O MESMO.

    Se a candidatura governista não conseguir convencê-lo de que a Dilma tem como ir além do que já foi, ele tentará avançar com o Aécio, por mais que os petistas gritem "cuidado com o tucano papão!".

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