quinta-feira, 21 de julho de 2016

SUCESSORA DE FAUSTO, DILMA QUIS FLEXIBILIZAR O PACTO COM MEFISTÓFELES...

Serenidade" de um lado, "falas desconexas" do outro.
O jornalista e historiador Elio Gaspari é um homem de esquerda formado na cultura do velho PCB. Como tal, manteve-se bem distante das ilusões armadas e hoje não crê nem mesmo nas ilusões desarmadas. Move-o, contudo, um elogiável sentimento de compaixão e solidariedade para com o povo sofrido, daí ter assumido posição contrária ao Governo Dilma, principalmente no catastrófico segundo mandato.

Em artigo recém-publicado, ele compara com sapiência e sarcasmo os estilos pessoais: 
"Antes mesmo de completar cem dias, Michel Temer conseguiu dar estabilidade ao seu governo. Começou da pior maneira possível, com um ministério pífio e contaminado, cercado de suspeitas e de ligações inconvenientes. A mágica tem um nome: calma, sangue frio ou mesmo serenidade.  
...A estabilidade trazida pela mágica da calma foi ajudada pela esperança que a blindagem de Henrique Meirelles levou para o Ministério da Fazenda. Por enquanto, na panela da ekipekonomica há muito pirão e pouca carne. Felizmente, o mercado compra esperança e o novo governo mostrou que, com o afastamento dos pedalantes, pior a coisa não fica.   
 ...Temer também teve sorte. O PT ainda não acordou da pancada do início do processo de impedimento e Dilma Rousseff percorre plateias amigas cada vez menores, com falas cada vez mais desconexas. Na última, comparou o seu infortúnio aos acontecimentos da Turquia"
Meirelles: Lula gostava, Dilma enxotou, Temer foi buscar.
No fundo, para quem analisa a política oficial sem antolhos ideológicos, boa parte do que ele escreveu é o chamado óbvio ululante, começando pelo fato que que, nos moldes da democracia burguesa, Michel Temer governa muito melhor do que Dilma Rousseff.

Afinal, durante os 16 meses do seu segundo mandato ela nem sequer conseguiu governar. Quando estava nos estertores, desistiu até de tentar. Foi ultrapassada pelos acontecimentos e acabou deixando o país e a economia à deriva, enquanto se dedicava, exclusiva e obsessivamente, à defesa vã do seu mandato.

Quanto à gradativa melhora das perspectivas econômicas desde que ela foi afastada, é um fato. Não apenas em razão da incompetência abissal de Dilma, que deu significativa contribuição para atingirmos o terrível patamar de 11 milhões de brasileiros na rua da amargura (desemprego elevado haveria de qualquer maneira, mas os erros bisonhos de política econômica o maximizaram), como também porque o modelo populista encarnado no PT estava esgotado, cá como noutros países sul-americanos.

Todos coincidiram no ponto de partida: a tomada de governos pela via eleitoral. Depois, alguns foram mais longe na tentativa de tomada progressiva do estado, outros acabaram detidos no meio do caminho.

O certo é que não houve uma revolução clássica em nenhum deles. Os explorados não se organizaram para exercer o poder, foram organizados para apoiar governantes caudilhescos. Marx sempre quis torná-los protagonistas da História, não vê-los relegados ao papel de objetos de homens providenciais, servindo de peões no tabuleiro do seu jogo, cujo objetivo final nunca foi o xeque-mate, mas sim a mera perpetuação no poder.

Dez anos depois, só Morales continua no poder.
Como a História cansa de ensinar, regimes caudilhescos podem até prosperar durante a vida física dos caudilhos, mas não sobrevivem a eles. Primeiramente, porque não estimulam o povo a pensar e agir de forma autônoma, preferindo mantê-lo sempre sob controle, daí sua incapacidade de reação quando fica órfão do paizão.

Depois, porque o grande homem costuma temer a sombra de um sucessor e geralmente favorece o mais medíocre dos seus cortesãos, o que acaba colocando cavalgaduras como Maduro numa posição à qual jamais deveriam ser alçados.

No Brasil, o governo petista nasceu atrelado aos compromissos que assumiu em 2002 com o poder econômico, de submeter-se a ele na tomada de decisões macroeconômicas, contentando-se em administrar as miudezas do varejo.

Enquanto a conjuntura internacional favorecia as commodities brasileiras, a receita funcionou. O grande capital continuou com a parte do leão (sem um mínimo de simancol, Lula se vangloriava de que os banqueiros nunca haviam lucrado tanto quanto nos seus governos!!!) e ainda sobrava uma graninha para aumentar a quota de migalhas dos explorados, por meio do bolsa-família e outros mecanismos de transferência ínfima de renda para os pobres.

Quando a maré virou no exterior e o cobertor ficou curto para continuar cobrindo tanto as cabeças garbosas da burguesia quanto os pés sofridos dos coitadezas, Dilma resolveu desconsiderar em certa medida o pacto firmado por seu padrinho com Mefistófeles e tentar fazer a economia pegar no tranco, seguindo o figurino do velho nacional-desenvolvimentismo (ou seja, com os investimentos estatais a empurrando), de forma a manter e talvez ampliar as conquistas sociais das duas gestões anteriores. 
A esquerda já deveria ter começado a mudar em 2013
Sua soberba a cegou: não percebeu que era um passo maior do que suas pernas, impossível de ser dado sem o apoio incondicional do Lula, pois era ele quem mandava (e continua mandando) no PT.

Os capitalistas também não gostaram da brincadeira e, como quem manda no capitalismo são eles, despacharam Dilma com um piparote, fazendo-a desabar no chão do Palácio da Alvorada, do qual será também despejada no mês que vem.

Não lamento, porque é difícil enxergarmos alguma vantagem em ser petista quem gerencia o capitalismo para os capitalistas, ajudando a mistificar os explorados. Mil vezes melhor a esquerda permanecer fora do poder, lutando para conquistá-lo de forma digna; ou seja, sem abdicar de sua verdadeira identidade, nem trocá-la por uma versão light e, muito menos, negociar a alma em acordos podres!

Então, enquanto muitos (principalmente os que perderam suas escandalosas boquinhas) veem a queda de Dilma como uma desgraça, eu a vejo como mais uma oportunidade para construirmos uma esquerda de verdade, revolucionária, no Brasil. Aquela que deveríamos ter começado a forjar tão logo terminou a ditadura de 1930-1945, e depois a de 1964-1985.

Agora que o populismo de esquerda desmoronou e se desmoralizou por completo, temos uma terceira chance para fazer direito a lição de casa, quiçá a última, pois a alternativa para nós neste instante é retomada revolucionária ou marcha para a irrelevância.

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